- Oi! - tentou ele, com uma voz tímida, quase inaudível àquele par de orelhas com brincos minúsculos. Ela disfarçou seus movimentos com exatidão e pôs-se firme ao mirar um ponto fixo inexistente no meio daquele ônibus vazio.
- Posso me sentar? - insistiu ele, não surpreso com a feição inexpressiva que foi desenhada naquele rosto de tez alva. Seus pensamentos sussurravam aos ouvidos palavras doces, e a faziam reviver todas aquelas lembranças de quatro anos em milésimos de segundos. Ela quis titubear, mas se manteve concentrada.
Durante os dias de inverno, Maria Flor arrumava as roupas de cama pacientemente, de forma suave, como se estivesse ouvindo uma Bossa Nova embalando sua manhã gélida. Nesta alvorada, sentindo-se trêmula por causa do frio, ela abriu seu armário, e escolheu. Por instinto, puxou seu cachecol rosa e branco xadrez e um casaco preto que usara apenas em certos dias de outono. Dirigiu-se ao banheiro, a fim de pentear seus fios sedosos e pretos, e esbarrou num porta-retrato em meio a pia. Ao colocá-lo de pé novamente, seu coração pulsou. Nunca o tirara dali. Ela ignorava aquela foto, todos os dias, na mesma hora, antes de ir ao trabalho, como parte de um treinamento peculiar. E, agora, a foto ganhou vida uma outra vez, fazendo seu coração acelerar-se. - Bê! - pensou ela, e pôs-se a chorar em um instante, e no outro, já tinha olhos secos e seu cabelo arrumado. Ela levou consigo a foto. E saiu de casa.