quarta-feira, 18 de maio de 2011

Homem bruto

Quando nasceu recebeu nome de anjo. Achavam que o nome adocicaria seu destino.
No ofício lidou com materiais duro e sem polimento. Como escreveu a profecia tornou-se bruto ao ponto de ser confundido com concreto.
Namorou e dos namoros cultivou delicadas flores. Com o material que manipulou cultivou o aspecto de homem bruto. Formou-se assim. Aprendeu ser assim.
Foi gari, carpinteiro, lavadeira e domestica. A profissão o transformou na forma atual. Hoje não desempenha nenhuma função, apenas se mistura as pedras de uma avenida qualquer da cidade.

domingo, 15 de maio de 2011

Somos eu, você e um segredo (Escuridão)

“Chega à hora de dormir”, a frase que ouve de sua mãe e que a assusta. Ela odeia tanto que preferia que o dia não escurecesse ou que não houvesse noites. Nicole, com apenas treze anos de idade, já sabe bem como é a escuridão. A voz de sua mãe se repete dizendo, “Hora de dormir, criança. Vá para cama, seu pai daqui a pouco irá dar-lhe boa noite”. Aquelas palavras penetram seu corpo de uma forma intensa e faz com que sua carne fique tremula e os pelos de seu corpo arrepiem. Com um olhar triste, de quem quer dizer algo à sua mãe e não pode, ela tenta falar, mas não consegue. Sua voz não alcança um tom alto necessário para que sua mãe consiga ouvir suas suplicas. Como alguém que espera um mau presságio, ela obedece a sua mãe, vai pra o quarto e deita-se. Seu coração bate mais forte a cada passo que ela ouve a subir a escada.

sábado, 14 de maio de 2011

Escuridão 1

e disse o Senhor: desfaça-se a luz, e a luz se desfez.

ao mesmo tempo apagaram-se as luzes elétricas, os fósforos e as estrelas.
os vagalumes deixaram de piscar, o Melanocetus johnsonii perdeu seu truque luminoso, as algas e o krill pararam de brilhar.

joana estremeceu em sua cama.
a luz do banheiro que entrava pela fresta de sua porta se apagara de repente.
desde que era criança ela não conseguia dormir no escuro, com medo de monstros e estupradores furtivos. agora, aos setenta e seis anos ela ainda não se curara das manias nem dos temores antigos.
tudo estava às escuras em sua casa, que tinha ao menos o dobro de sua idade. ela levantou da cama, tateando as paredes, tropeçando em algo grande e sólido.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Depuração

Quantas são as pernas do mundo? Em quantas esbarro, mas não toco? Não toco, porque me entoco. Toca é imanente à minha espécie. Tatu? Não; homem? Não; homem-tatu. Trancafiado na prisão que sou, pago pelo crime de não conseguir “manter contato na praça de convites”. Se me liberto do labirinto que represento, me deparo com o labirinto que faz o mundo. O mundo e as coisas são o desfazer-se. O homem, em virtude disso, é naturalmente composto por contradições complementares: santo-pecador, negro-branco, óleo-água, ser e não-ser. Se é, não reconhece a potencialidade e essência do outro. Na busca esmerada da perfeição, se esquece de vislumbrar os interesses e gozos alheios que também são seus. Sendo assim, a introspecção instaurada pelo isolamento inevitável pauta ações, reações, bem como o estado de inércia. Poderia dizer vida é texto. O que é a vida senão um imenso tecido. 

segunda-feira, 9 de maio de 2011

História

Histórias vêm e vão
Surgem a cada átomo de areia
E tomam rumos dispersos...
Em meio a acontecimentos
Retratam a sua identidade
Planos em desencanto
Doces em passadas
Calmaria na escuridão
Agressividade em legítima defesa...
Corpos celestiais sobrepõem suas sombras
Raios refletem elementos que compõem o quinto sol
E nos confins dos quintos do elo perdido
Calcula-se as léguas que foram deixadas para trás...
Com magia que emana da retina
Os seres se agrupam hipnóticamente
Alicerçando o futuro mecânico individual...
Bem e mal camuflam idéias espontâneas
E não se sabe quem vai, quem vem...
Eu não sei...

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Olhos que brilham na pele


São tantas palavras que servem pra descrever aquele momento, que nem consigo achar a mais adequada: mágico, intenso, surreal. Não sei ao certo. Não esperava que as coisas fossem acontecer daquela maneira. Depois de mais de um ano, pude realizar meu desejo, matar essa vontade louca que tinha de tocar seus lábios. Em meio a tantas condições e empecilhos. Escondi um sentimento por um longo período. Cheguei a ignorá-lo, por acreditar que nunca haveria algum momento no qual eu pudesse tê-la pra mim, sentir seu abraço, sentir seu beijo, seu toque e seu cheiro. Mas esse momento chegou, não esperava por isso. Tão intenso, tão forte, a ponto de deixar uma marca em mim. Foi engraçado e ao mesmo tempo, estranho. Houve momentos em que tremi, literalmente. Não sei se era porque fazia tempo que não era tão sincero em uma demonstração de carinho e afeto ou se era porque fazia tempo que não me entregava com tanta vontade a alguém. Ainda me sinto nas nuvens, ainda estou nostálgico, meu olho ainda brilha e o sorriso permanece de uma orelha à outra. Independente dos meus problemas pessoais, em relação a outras coisas que estão me incomodando, posso dizer que realmente estou feliz. Hoje Posso dizer que tive uma noite tranqüila de sono, porque o gosto do seu beijo e o seu toque ainda estão em mim.

A Rua 15

Ao ver a luz do sol em minha janela iluminando meu quarto, aproximei um pouco mais para ter a visão da Rua 15. Reparei em cada pessoa que passava naquela manhã ensolarada. Tinha gente que dava passos rápidos, outros passos lentos. Alguns sorriam já outros mostravam uma cara amarrada. Uns eram baixos, outros eram muito magros. Pessoas muito bem arrumadas, outras nem tanto.

O que me chamou mais atenção era um senhor de cabelos grisalhos sentado no bando da Rua 15. Aparentava estar muito feliz alimentando os pombos ao seu redor com enorme prazer. Bem educado, cumprimentava todas as pessoas que passavam ali. Alguns até respondiam, outros não prestavam nem atenção.

O que também chamou minha atenção foi um homem sentado no chão próximo ao banco onde o senhor se encontrava. Segurava um violão, e cantarolava músicas confortantes. Alguns até olhavam, outros passavam sem ao menos olhar para o lado.

A Rua 15 era tão especial aos meus olhos, tantas situações aconteciam ao mesmo tempo, era tão lindo, apesar de que a Rua 15 aos olhos de quem simplesmente passava, era comum.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Meus [teus] erros

- Oi! - tentou ele, com uma voz tímida, quase inaudível àquele par de orelhas com brincos minúsculos. Ela disfarçou seus movimentos com exatidão e pôs-se firme ao mirar um ponto fixo inexistente no meio daquele ônibus vazio.

- Posso me sentar? - insistiu ele, não surpreso com a feição inexpressiva que foi desenhada naquele rosto de tez alva. Seus pensamentos sussurravam aos ouvidos palavras doces, e a faziam reviver todas aquelas lembranças de quatro anos em milésimos de segundos. Ela quis titubear, mas se manteve concentrada.

Durante os dias de inverno, Maria Flor arrumava as roupas de cama pacientemente, de forma suave, como se estivesse ouvindo uma Bossa Nova embalando sua manhã gélida. Nesta alvorada, sentindo-se trêmula por causa do frio, ela abriu seu armário, e escolheu. Por instinto, puxou seu cachecol rosa e branco xadrez e um casaco preto que usara apenas em certos dias de outono. Dirigiu-se ao banheiro, a fim de pentear seus fios sedosos e pretos, e esbarrou num porta-retrato em meio a pia. Ao colocá-lo de pé novamente, seu coração pulsou. Nunca o tirara dali. Ela ignorava aquela foto, todos os dias, na mesma hora, antes de ir ao trabalho, como parte de um treinamento peculiar. E, agora, a foto ganhou vida uma outra vez, fazendo seu coração acelerar-se. - Bê! - pensou ela, e pôs-se a chorar em um instante, e no outro, já tinha olhos secos e seu cabelo arrumado. Ela levou consigo a foto. E saiu de casa.

Amante exigente

Durante muito tempo eu me preparei para encontrá-lo. Um ano, ou mais. Sonhava com o dia em que o teria em minhas mãos, com o momento em que estivéssemos frente a frente, apenas nós dois, ignorando todos a nossa volta.

Com a proximidade do nosso encontro, fui consumida por uma forte tensão. Não dormira bem durante a noite e de manhã, o nervosismo pareceu que me mataria. Fui em direção a um endereço desconhecido: rua Taquara, Miguel Couto, abandonando a Monte Verde de Comendador Soares, onde sempre imaginava o dia em que nos veríamos e ensaiava o que fazer para não errar.

Com o medo do atraso, corri debaixo da chuva fina e atravessei o portão. Queria logo tê-lo, acabar com aquela ansiedade, saber o que estava por vir. E assim foi. Finalmente o vi novamente. Cara a cara. Ele, enigmático; eu, esperançosa.

A estrela que partiu

Viviam muito bem, felizes após anos de união. Um sempre muito carinhoso e atencioso com o outro. Tinham filhos, frutos de seu amor.
Dividiam as alegrias e as dificuldades que a vida traz.
No geral, se davam bem e viviam plenamente.

A casa onde viviam era grande e confortável, mas a mulher desejou melhorá-la e seu marido concordou em satisfazer seu desejo. Ele contratou então um pedreiro e um ajudante para que a obra fosse feita com qualidade e para que ele pudesse aproveitar melhor seu tempo - com sua família, provavelmente.

Um dia, enquanto os empregados trabalhavam no terraço da casa, ele se sentou ao pé da escada com sua mulher. Num degrau acima do de seu esposo, ela distraia-se afagando os cabelos do amado.
Ela, dona de casa, satisfazia-se em servir bem as pessoas que mais amava. Ele era um chefe de família honesto, esforçado e responsável. Mas também era um homem era desconfiado.